autocarro

outros

dezembro 20, 2012

- Metropolitano de Lisboa -
Costumo ir. No autocarro. Costumo ir e vou sempre a mirar os outros. Os outros. E imagino-lhes vidas e histórias. Imagino o que esconde cada corpo, cada idade. Costumo olhar sempre para as mãos, as mãos dos outros. Dizem que as rugas da cara se escondem, há truques e mezinhas. Mas as das mãos não. As mãos mostram a vida, contam histórias. Procuro sempre os olhos dos outros, a medo. Não sei o que escondem e não quero ser desvendada. Quero eu desvendar. E às vezes estão vazios, cheios de nada. E percebo que a história está lá, guardada, empoeirada, mas camuflada na descrença. No fundo não sei de nada, concreto, certo. Mas sei de tudo, sei da minha verdade, das histórias que crio para os outros. E depois cruzo-me comigo, e sorrio: imagino os outros, mas não me imagino a mim. Desconheço-me bem.

corpo

pele

dezembro 07, 2012

- Barragem do Alqueva -
São mil coisas que parecem nada. Uma vida reduzida a pó. Uma mão cheia de nada. E os detalhes são esquecidos como se não fizessem parte do plano. E não fazem. É difícil despirmos esta pele. É estranho. E tudo parece que nunca fez parte do plano. Já não são só os detalhes. É tudo. Esta pele já não é nossa. Minha. Sou como a cobra em mudança, as vestes antigas largadas. As roupas usadas, velhas. Em mudança. Eu sou o desapego. O desnorte. Não me agarro com força para não cair. Não encontro o caminho para onde fugir. Eu sou o incompleto da metade errante de ti. Sou a sombra que padece a assombrar. Sei de ti mais do que sei de mim. E é estranho, fora da pele. Conheço o teu desassossego sossegado. Estás a mudar mas estás quieto. Uma quietude pardacenta. Não quero saber, eu sou o desapego. Sai-me da pele.