aldeia

homem dos patos

fevereiro 29, 2012

- Jardim do Castelo, Abrantes -
Hoje era o homem dos patos. O relógio apontava as 3 horas, luminosas, quietas. Lá de cima viemos nós, fervilhantes nas nossas conversas. Embrulhada no frio que estava, sentia a ânsia de descobrir aquele lugar. Um lugar pequeno, não tão pequeno quanto uma aldeia algures no monte, mas pequeno. Um lugar de gentes rústicas, homens de barbaçal negro, impondo a virilidade de chefes de matilha. Mulheres pequenas, debruçadas às janelas, de rugas ao ar e batas domésticas. As mãos sabiam a terra de cor, e os olhos cansados da vida acompanhavam este e aquele forasteiro que por alguma razão ali passava. Hoje era o homem dos patos que lá de cima nós avistámos. Um senhor pacato, calado mas que ao mínimo desenrolar de língua não mais se calava. Queria companhia, e às 3 horas, fossem luminosas ou mais escuras, lá estavam os patos. O barulho do carro já era familiar às mais de cinquenta aves que viviam no Alviela. Uma casa suja, desapropriada, esfomeada. Em fila subiam as margens do rio e chegavam bem perto do homem dos patos, que aos seus olhos de selvagens era apenas o senhor do pão, das migalhas. Sabia-los de cor, ou pela mancha que tinham no peito, ou pela forma do bico ou pela penugem mais acinzentada. Eram os patos de sempre, de uma vida, que o iam deixando aos poucos, talvez em busca de uma casa melhor, talvez pelo cansaço de lutar contra a corrente. Hoje era o homem dos patos.

amor

egoísta

fevereiro 06, 2012

Fujo. Tenho um pesadelo por noite. Não me sinto segura. Falta-me o berço de onde vim. As noites são a personificação da solidão. Quer esteja embriagada em sentidos, com o corpo frenético e a mente longe, bem longe. Ou quando me deito naquele leito sombrio, frio, sozinho, com a mente perto, bem perto, demasiado perto até. Não tenho o coração na boca, não tenho o coração nos pés. O meu coração está no lugar certo, apertado, secreto. Envolto em osso, o meu coração está num casulo que eu não entendo. Seja pelas raízes cheias de terra de onde floresci, ou dos pedregulhos cortantes que me custaram a atravessar, em mim, há qualquer coisa de estranho que não deixa que o meu coração se metamorfoseie. Nunca deixarei de ser egoísta. Sou demasiado livre para me "acasular" sem ti, e demasiado livre para voar contigo.

corpo

caminho

fevereiro 06, 2012

Sou livre de todas as correntes que um dia me prenderam. Tenho 20 anos e poucos sabem a minha história. Com tudo o que vivi as cicatrizes seriam visíveis à flor da pele, mas a força de leão que jaz no meu corpo, no meu espírito, permite-me dar um passo contrário ao abismo. Talvez a opção mais fácil seja mostrar os pequenos picos cravejados na minha epiderme. Superficial. O que se esconde nas minhas entranhas, o profundo de mim são pequenos segredos raramente revelados. Só às pérolas do meu caminho. Poucas, muito poucas. Tenho orgulho na arte que um dia me criei. Tenho orgulho em mim. Serei sempre incompreensível, um caminho pedroso, incoerente. Um rascunho de alguém. Aos poucos passo-me a limpo. A minha única linha recta são os meus sonhos. Sonhos, que agarro, agarro mesmo, e nunca, nunca distorço. Tenho 20 anos e poucos sabem a minha história.