terra

abril 21, 2014

- Barragem do Monte da Rocha -


escancaro a janela
beiços de fora
a boca sabe-me a chuva.
sou feita de pensamentos fundos
uma mão cheia de terra
uma sede por dentro
que por fora acalento.
sou a caixa fechada
perdida no deserto
abandonada 
num poema etéreo.

breakup

no topo - 4

abril 14, 2014

- Praga -
Sou um estranho universo. Há partes de mim que não sei se existem e as partes que sei que existem não sabem de outras que estão, que existem. No fundo, lá no fundo, há infinitas partículas que brilham, que me brilham. E eu serei apenas uma estrela. Uma estrela desconhecida. Que brilha sozinha. Que se calhar não brilha. Um pedaço de estrela com outros tantos pedaços por descobrir.

nota: este texto é o último de um conjunto, denominado «no topo», de 29 Novembro 2012, ilustrados por quatro topos de edifícios que tanto ornamentos como beleza simples têm.

adeus

no topo - 3

abril 14, 2014

- Praga -
Não queria mesmo pensar nisso como «a waste of time». Como se pudesse ter estado este tempo todo a viver de uma outra forma, por outros moldes. Como se olhar, tocar e sentir fossem apenas verbos que pudessem ter sido vividos de outra forma menos rudimentar. Não sei que pesadelo perpétuo estaria a condenar-me se o tempo não tivesse mostrado que «everything happens for a reason». Quero pensar que tudo é uma experiência e que se assim foi é porque assim teve de ser. Que aprendi, aprendi com isto a ser alguém que já não voltarei a ser. Mas custa pensar que se calhar, só se calhar, perdi a minha essência, perdi algum pedaço de mim que me faria falta para enfrentar outras experiências. Acreditava que as pessoas não mudavam. Agora acho que desisti dessa crença: tu mudaste. 

nota: este texto é o terceiro de um conjunto, denominado «no topo», de 29 Novembro 2012, ilustrados por quatro topos de edifícios que tanto ornamentos como beleza simples têm.

céu

no topo - 2

abril 14, 2014

- Castro Verde -
E o mundo parece acabar. E o sentir parece um verbo não mais repetível. Um bando de pássaros espraia-se pelos céus, o silêncio não cala o bater das asas. Um cobertor quentinho que impede que o corpo se desmanche em pedaços de nada. Existe um buraco escuro, profundo, negro, dentro da alma, das entranhas, que engole a vida. O peito dói, pesado, é incapaz de suportar o tamanho da dor que carrega. Até ao dia em que a vida volte a bater à porta, num toque suave e lento, e que entre, pela calada, mas com a força de mil homens. Nada faz sentido. O caminho parece ter chegado ao fim, ao precipício. Não tenho coragem de saltar. Mantenho-me à beira, as pedras resvalam pelas paredes rochosas. Quero deitar-me ao vento. Quero que me salves. Não tenho coragem. Olho para trás, numa loucura espero encontrar a tua mão estendida. Quebraste a promessa, e agora estou sozinha, à mercê do salto. Salva-me, por favor.

nota: este texto é o segundo de um conjunto, denominado «no topo», de 29 Novembro 2012, ilustrados por quatro topos de edifícios que tanto ornamentos como beleza simples têm.

amargo

no topo - 1

abril 14, 2014

- Praga -
Hoje tinhas um sabor estranho. Amargo. Custou-me sentir-te na ponta da língua. Cerrei os olhos com toda a força. Imaginei pedaços de ti envoltos na névoa. Um sabor doce, quase tóxico. Não chegou. Tu não chegaste. Hoje o cheiro que emanavas em nada tinha a ver com o perto de mim. Hoje estavas longe, bem longe. E por isso o teu sabor era estranho. Amargo.


nota: este texto é o primeiro de um conjunto, denominado «no topo», de 29 Novembro 2012, ilustrados por quatro topos de edifícios que tanto ornamentos como beleza simples têm.

autocarro

outros

dezembro 20, 2012

- Metropolitano de Lisboa -
Costumo ir. No autocarro. Costumo ir e vou sempre a mirar os outros. Os outros. E imagino-lhes vidas e histórias. Imagino o que esconde cada corpo, cada idade. Costumo olhar sempre para as mãos, as mãos dos outros. Dizem que as rugas da cara se escondem, há truques e mezinhas. Mas as das mãos não. As mãos mostram a vida, contam histórias. Procuro sempre os olhos dos outros, a medo. Não sei o que escondem e não quero ser desvendada. Quero eu desvendar. E às vezes estão vazios, cheios de nada. E percebo que a história está lá, guardada, empoeirada, mas camuflada na descrença. No fundo não sei de nada, concreto, certo. Mas sei de tudo, sei da minha verdade, das histórias que crio para os outros. E depois cruzo-me comigo, e sorrio: imagino os outros, mas não me imagino a mim. Desconheço-me bem.

corpo

pele

dezembro 07, 2012

- Barragem do Alqueva -
São mil coisas que parecem nada. Uma vida reduzida a pó. Uma mão cheia de nada. E os detalhes são esquecidos como se não fizessem parte do plano. E não fazem. É difícil despirmos esta pele. É estranho. E tudo parece que nunca fez parte do plano. Já não são só os detalhes. É tudo. Esta pele já não é nossa. Minha. Sou como a cobra em mudança, as vestes antigas largadas. As roupas usadas, velhas. Em mudança. Eu sou o desapego. O desnorte. Não me agarro com força para não cair. Não encontro o caminho para onde fugir. Eu sou o incompleto da metade errante de ti. Sou a sombra que padece a assombrar. Sei de ti mais do que sei de mim. E é estranho, fora da pele. Conheço o teu desassossego sossegado. Estás a mudar mas estás quieto. Uma quietude pardacenta. Não quero saber, eu sou o desapego. Sai-me da pele.