ao deus dará II

janeiro 22, 2012

Preciso de fugir. Fugir como tu. Fugiste hoje de manhã e deixaste um beijo perdido na minha cara. Foste embora, eu fiquei quieta encostada à parede da minha casa, a olhar para um vazio qualquer, à espera que olhasses uma última vez e percebesses que eu mereço que tu dês o teu melhor. 
Estou no comboio, sinto o corpo a tremer, acompanha a trepidação dos carris. Pela janela nada do que eu vejo faz sentido. Não queria voltar a sentir-me assim, desamparada.
Cheira mal, a ovas e a iscas em água estagnada.
Estou contente por ter feito uma tatuagem. Era um desejo (e continua a ser) eu ser o livro em branco da minha vida. O meu corpo. Há minha frente está um homem cheio de rugas, lê atento um livro antigo. Levantou-se. Será que já chegámos? Quantos amores teve ele de deixar?

Estou sentada num pontão, em Olhão. Ao longe distingo as silhuetas das gaivotas poisadas no manto de água que se estende. Não há um silêncio certo, as vozes fundem-se nas pequenas golfadas do mar ao bater nas rochas. Uma gargalhada. Quem me dera rir, sentir-me feliz. Que sufoco! Por mais que corra tu acompanhas-me, deixa-me. Quero ser gaivota, quero voar livre e não me apegar a ninguém.
Escrevemos numa folha aquilo que queremos deitar fora das nossas vidas. Amachucámos como se todos os males de que sofremos se fossem embora com aquele pedaço de papel. Atirámos à água. Deixa-me! 
A vida é boa. «É a vida né?», uma brasileira está a falar com um homem, estão a engatar-se. O vento traz as conversas, mas não leva as mágoas, nem as palavras que me disseste. Está frio, tenho fome. Milhões de papéis amachucados terão de ser escritos e atirados ao mar, até conseguir ultrapassar-te. Já senti dores piores, perdas maiores, mas pensei na estabilidade que me deste desde o momento caricato em que te pedi para me levares a fazer xixi.
Desde que te conheço que as coisas vão fazendo sentido aos poucos. Agora é esperar. Não me atiro ao mar porque não sinto desespero, sinto vontade de te abraçar como abracei pela última vez, ontem.
Amo-te, sim, à minha maneira eu amo-te.

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